Em 2012 mais de 40 cidades realizaram a Marcha da Maconha somente no Brasil. A proibição é o fato gerador do tráfico de drogas, que provoca o crime. O crime, por si só, promove a violência. Somado à repressão via Guerra às Drogas, essa violência se multiplica e se espalha, atingindo mesmo quem não consome “drogas”. Mas, pior do que isso, o tratamento dado pelo Estado por meio de sua Polícia Militar aos usuários da periferia é brutal se comparado aos de classe-média (a elite nunca ouviu falar disso).
As grandes vítimas da proibição são os jovens de baixa renda que, ainda por cima, não têm acesso à assessoria jurídica necessária para receber o tratamento “diferenciado” dado desde 2006 ao usuário e são, portanto, via de regra tratados pelos Três Poderes como traficantes. E é na cadeia que esse mero usuário sem perspectivas vê que na situação dele é mais lucrativa a vida no crime e lá faz escola, faculdade e pós-graduação.
Sozinho nós vamos mais rápido
Juntos nós vamos mais longe
O trecho da música Chama Violeta do Real Coletivo Dub, banda curitibana que mistura elementos do samba, bossa-nova, maracatu e outros ritmos brasileiros, retrata muito bem a realidade da luta por direitos.
Defendida pelas mais plurais Marchas da sociedade em 2011 – que levaram ao entendimento do STF de que a realização das Marchas da Maconha é constitucional – a Liberdade, essa característica inerente ao ser humano, é sempre promovida por aqueles que nela veem o futuro e atacada por aqueles que, na sua ausência, lucram. Pra começo de conversa, a proibição ou Guerra às Drogas é diretamente responsável pela existência do tráfico. A Lei Seca instituída em 1920 nos Estados Unidos levou à formação da máfia e à ascensão de figuras como o Al Capone. No Brasil, tivemos o Zé Pequeno.
Proibir a comercialização de um produto que tem demanda (lembrando que proibir a liberdade individual de adultos conscientes é fascismo) resulta em que a oferta tenha que ser suprida por um mercado paralelo, neste caso o narcotráfico. Não adianta mais ficar gritando “não use drogas” para a sociedade, já ficou evidente que não funciona! A política proibicionista de ‘Segurança Pública’ gera violência não apenas nas ruas ao oprimir usuários e nas famílias ao reprimir o cultivo caseiro, ela tem uma relação causal com o tráfico de drogas. Isso se chama contradição.
O cultivo indoor, ou caseiro, da cannabis não promove danos ao meio ambiente ou à sociedade, já que evita o narcotráfico. Existem comunidades de “growers” de diferentes tamanhos e linhas filosóficas, além de livros, métodos e estudos sobre o tema. O plantio poderia ser muito mais acessível e seguro não fosse a equivocada proibição.Para além disso, há o fato de que o uso industrial do cânhamo é tão versátil que ele é uma ameaça à indústria têxtil, do papel, do plástico, da construção civil, dos alimentos, óleos essenciais e dos produtos farmacêuticos. Vamos falar dos produtos farmacêuticos: maconha também é remédio. Enjoo, anemia, depressão, ansiedade e outros efeitos de químio e radioterapia são apenas seus usos medidicinais mais comuns – Jah Bless, pensam os pacientes de câncer cujo sofrimento é mitigado pela maconha!
É por isso que em muitos lugares dos Estados Unidos, como na Califórina, é permitido o uso medicinal, até porque quase todo mundo – principalmente em nossa sociedade produtivista – sofre com o stress e precisa relaxar, alguns escolhem fazer isso com o destrutivo álcool, outros com a maconha da paz. Além disso tudo, o documentário estadunidense Run from the cure comprova que os canabinóides (um dos componentes do THC, princípio ativo da maconha) têm um interessante efeito em alguns tipos de câncer: a cura.
Leia mais sobre as propriedades anticancerígenas dos canabinoides: http://www.semsemente.com/2012/comprovado-canabinoides-sao-capazes-de-matar-celulas-cancerigenas/
E achar que, fora quando está chapado, o maconheiro fica lesado, é um raciocínio sem embasamento científico e pra lá de raso. Além do Plano Real, muias boas ideias foram implementadas por maconheiros, principalmente as artísticas, publicitárias, literárias, gráficas, enfim, todo aquele hemisfério do cérebro.
Bem, é importante abordar a perspectiva econômica. Em contexto de Crise do Sistema Financeiro Mundial a cidade espanhola de Rasqueira aposta no cultivo do cânhamo para saldar as dívidas. “O aluguel de terrenos para o plantio de maconha foi a maneira que a prefeitura de Rasquera, um povoado medieval de 950 habitantes a 190 km de Barcelona, encontrou para quitar dívidas acumuladas com a crise sem ter de apelar a medidas de austeridade e arrocho fiscal comuns no país ibérico”, informa a Folha de S. Paulo.
O nosso vizinho Uruguai quer ser pioneiro da revisão nas legislações e práticas sociais relacionadas à maconha. “Estamos há 50 anos tentando pela via policial e estamos fracassando”, declarou o presidente José “Pepe” Mujica. Naquele país a erva nunca foi criminalizada, mas também nunca foi legalizada. Segundo o portal Terra, serão 150 hectares de cultivo nas terras vizinhas. O principal consumidor da maconha ilegal produzida hoje por lá é o Brasil, bem como do resto da América Latina…
Defender a ideia da legalização não constitui apologia (como defender a mudança de uma regra se é proibido discuti-la? Quem sabe o Gabriel PENSADOR estava correto: Paz é contra a Lei e Lei é contra a Paz?). Mas o STF foi sensato na deliberação e não foram só as Marchas e a sociedade que ganharam com a legalização do debate: o bloco carnavalesco carioca Planta na Mente desfilou oficialmente na quarta-feira de brasas em 2012.
O filme Quebrando o Tabu (cartaz ao lado), que estrela figurões da classe média como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o Dr. Drauzio Varella, explica muito bem a relação entre o tráfico, o uso de drogas, o abuso de drogas (que são duas coisas MUITO diferentes) e o sistema carcerário. Assim como o filme, essas informações são apenas uma pincelada no tema. Existem diversos livros sendo lançados, como o Cannabis Medicinal – Introdução ao Cultivo Indoor do Sergio Vidal e o Cânnábis Anonymous, por Márcio Pelajo, além da revista semSemente. A luta ainda está posta, assim como os obstáculos. Um deles é o lobby moralista religioso.
Mas não é preciso ir muito longe para vencer o argumento deles. Pra quebrar o gelo, podemos começar com fato de que a maconha NÃO É porta de entrada para outras drogas. O que acontece é que, por causa da proibição, pra se comprar cannabis é preciso buscar um traficante, que também vende outras drogas, ou plantar, que é crime. Aliás, a erva é a porta de saída para usuários de crack, por exemplo, como informou, no programa Agora é Tarde do humorista Danilo Gentilli, o jornalista Denis Burgierman, que viajou a países que legalizaram ou descriminalizaram o uso da maconha como Estados Unidos, Holanda, Portugal, Argentina e Marrocos. Isso se chama Redução de Danos e é uma das metodologias que obtêm maior taxa de sucesso na recuperação de dependentes químicos.
http://www.youtube.com/watch?v=aIBBLMBhTdI
Existe também um uso religioso da maconha e de outras plantas com propriedades alteradoras de consciência, algumas delas consideradas “drogas” e outras não. Peço que cada um tire suas conclusões sobre os motivos que levam à proibição de agentes que promovem a percepção de outros ângulos de análise dos fatos, outras perspectivas. Muitos veem a espiritualidade como um sentimento, uma emoção, uma característica intrínseca do ser humano. Ela seria então expressada através do amor ao próximo e, por extensão lógica, ao conjunto da sociedade – o Todo.
Mas será que é interessante que mais pessoas tenham uma visão global da coletividade, compreendendo os processos que levam às contradições, às disputas e, em menor escala, à violência? Talvez seja mais interessante, mais lucrativo, manter a todos em um nível limitado de consciência, capaz de perceber apenas aquilo que é evidente e que compõe ou meramente orbita a consciência individual.
De todo modo, existe também o movimento Rastáfari, originário do continente mãe, mais precisamente da Etiópia. Na mesma linha de Buddha, Jesus Cristo, Dalai Lama, Ghandi e porque não Martin Luther King, o profeta Hailê Selassiê (supostamente descendente do Rei bíblico Salomão) foi proclamado a voz da religião. No Brasil, apesar de outras fés terem assegurado o seu direto à utilização de substâncias cerimoniais, o líder (ou Elder) da primeira Igreja Niubingui Etíope Coptic de Sião, Ras Geraldinho, hoje está preso por ter cultivado canábis.
Mas, voltando aos cristãos, há isto:
“E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda erva que dá semente e que está sobre a face de toda a terra e toda a árvore em que há fruto de árvore que dá semente; servos-ão para mantimento.
E a todo animal da terra, e a toda ave dos céus, e a todo réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde lhes será para mantimento. E assim foi.”
(Gênesis 1:29,30)
Outras referências
- The Union (legendado) – documentário estadunidense sobre a proibição da maconha
- Cortina de Fumaça – documentário brasileiro sobre a proibição da maconha
- Marcha da Maconha
- Marcha da Maconha Curitiba
[…] em criminosos os usuários de substâncias arbitrariamente categorizadas como drogas (a exemplo da maconha, que a ciência e a história demonstram ser menos nociva do que o café ou o açúcar), o que leva […]